Mukalenge, uma comunidade carente
- Stefanie Laufer Terdiman
- 10 de mar. de 2017
- 3 min de leitura
Após uma conversa de duas horas na prefeitura sobre ações que eles realizam e como eles interagem com a comunidade para ouvir o que eles têm a dizer, Leonard, o líder do departamento de entrega de serviços básicos, nos contou que todas as sextas feiras eles selecionam uma comunidade carente e fazem uma visita in loco levando tendas que representam os diversos departamentos. Também levam uma equipe de vacinação, médicos e testes de HIV. Há uma grande contaminação de soro positivo na África e eles estão tentando conter. Esse programa chama Ntirhisano, que significa trabalhando em conjunto, e seu lema é “We care. We act.”

(cada tenda tem uma fila, essa maior e vermelha é sobre casa própria)
Perguntei se poderíamos ir com eles na próxima visita e fomos hoje. Foi um soco no estomago. Por ser brasileira eu já vi muitas comunidades assim, já visitei favelas, já conversei com pessoas de comunidades, já fiz trabalho voluntário em creche. Mas o que foi diferente dessa vez é que eu estava do outro lado. Estava ali como se eu fosse uma representante do governo e nessa posição, senti a impotência que todos os funcionários devem sentir. São tantas pessoas com problemas e você apenas uma pessoa e sem a capacidade de realmente fazer algo, apenas reportar. Ouvi do gerente que eles não tem verba, e realmente olhando a infraestrutura do prédio aonde eles estão, sei que eles não tem. Por outro lado, há muita contribuição da população em impostos e é um absurdo quando sentimos que esse dinheiro não é utilizado.
Nessa comunidade faltava tudo. Água, eletricidade, transporte público, comida, todo tipo de dignidade básica era escasso ou inexistente. Como eu estava ali no papel de “pesquisadora” comecei a conversar com as pessoas e conheci duas senhoras, Tambalgassi (nome que significa esperança*) e Moni (nome que significa profeta*) que me contaram um pouco do dia a dia delas. Senhoras na foto abaixo.

(Ela ficou emocionada por que eu pedi uma foto.)
Ambas desempregadas, ambas com filhos, ambas casadas, a primeira na fila há 13 anos por uma casa própria, a segunda há 10 anos, ambas com maridos que também estão desempregados ou com trabalhos ocasionais. E me perguntei, como eles conseguem sobreviver? Com que dinheiro? Sei que muito é com o auxílio do governo, mas ao mesmo tempo, não depende deles mudar esse quadro? Eles não deveriam buscar empregos? A funcionária que estava ao meu lado disse que é muito difícil encontrar um trabalho fixo, eles encontram apenas “bicos” na mina de ouro, no governo ou na comunidade local, e por isso eles ficam ali, largados. Não há culpados, nem o governo, nem eles, mas como é possível um sistema que deixa pessoas nessa miséria?
Ao mesmo tempo que frustrada e com medo de criar uma expectativa como se eu fosse resolver os problemas deles (afinal sou gringa para eles e isso sempre está atrelado a dinheiro), vi um sorriso genuíno no rosto dessas pessoas e das crianças e eles mesmo comentaram que estão felizes que estão vivos e com saúde. É verdade, estamos todos vivos, mas o que significa isso e até que ponto viver simplesmente por viver vale a pena? Simplesmente respirar já é suficiente? Como eles conseguem ser felizes com tão pouco e outros famosos milionários se suicidam ou se drogam com o mundo aos seus pés? O que realmente nos faz feliz?
Fiquei me perguntando um milhão de “por quês” após sair da comunidade, sei que aconteceria isso, afinal eu me inscrevi para isso e para o programa, sabia o que esperar. Mas confesso que não é fácil ver esse tipo de realidade. Eles não têm ideia de como poderia ser diferente. Mas então me lembrei de uma frase de Oscar Wilde, “Estamos todos na sarjeta, mas alguns de nós estão olhando para as estrelas.”
Não vou conseguir responder minhas perguntas, inclusive acho que elas nunca serão respondidas, simplesmente é assim. Mas por enquanto posso agradecer por estar aqui e sentir que há compaixão, que há iniciativas sendo tomadas e acima de tudo, que a felicidade vem de nós, da nossa cabeça, não importa a quantidade de dinheiro que temos (e as vezes até acho que os que tem menos são os que conseguem ser mais felizes). Não quero que soe como um clichê pois dinheiro ajuda sim a trazer muita felicidade e possibilita muitos prazeres, mas ao mesmo tempo não podemos pensar que ele é a solução para tudo e assim, encerro o dia hoje com o sorriso dos que conheci.
Kealeboga (Muito obrigada).

Crianças no acampamento de Mukalenge. Uma realidade muito Difícil. Na foto: Umbo (Presente), Niisa (Felicidade) e Sirinami (Iluminado).
*Curiosidade: Todos os nomes têm significados. Achei isso muito especial.
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